quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Dois anos atrás... Feliz? Não, apenas natal.

"Eu percebi que não consigo me lembrar de como eram as coisas quando a casa era completa, de quando mesmo com discussões e lágrimas, meus olhos eram mais secos: Praticamente a dois anos atrás."

Era outubro. Ela encontrou um papel que decifrou todo o trama que sempre fora enredo das discussões neste local: "Marcos, você tem outro filho?" - Começou o início do fim.
Era dezembro, dia vinte e quatro de dezembro de dois mil e onze. Num momento de 'acerto de contas' no qual ela o questionou, indagou-o sobre a verdade e forçando-o o fez confessar teu segredo, ele exitou e se entregou: "Sim! Sim! Um menino! Ele já tem uns seis anos..." - Foi o fim.
E foi nesse momento que ele assinou seu atestado de óbito em nossos corações, que jogou a primeira e última pá de terra sobre si, que em cova rasa se enterrou em nossa família. E com ele também foi enterrado a alegria e a saudação do dia em que se comemora o nascimento do Pai. 
A partir de então, não há dezembro que me faça ser como era, não há um natal feliz entre meus familiares. Não há fim de ano que eu consiga sorrir e dizer "foi o melhor ano!"

Logo eu que sou alguém com uma memória mais específica, com uma memória declarativa aflorada em relação a situações e pessoas que convivem/conviveram comigo... Logo eu. Não consigo lembrar de como eram, em suma, aqueles tantos anos em que a vida era vida e não apenas eu subsistia. A casa era completa, mesmo com desavenças. A casa era completa.
Parece que minha mente parou no dia seguinte ao ocorrido de dezembro. Que de outubro ao último mês do ano minha mente cuidou de não me deixar guardar as coisas boas que aconteciam (aconteciam?... já não existiam, já não valiam para apagar o mal feito), não me permitiam guardar as saudades que eu viria a sentir, que eu viria a chorar e chorar tantas vezes. Ou talvez, o próprio malfeitor já se fazia faltoso, preparando-me para não sentir sua falta. Talvez.  
Só as alegrias que conquistei no inicio de dois mil e doze, minha ingressão na universidade, meu coração tomado por um sentimento bom em relação a uma pessoa... apenas isso me salvou aqueles meses iniciais do novo ano, já que fora em fevereiro (mês de meu aniversário) que ele partiu de vez de dentro de nossa casa e partiu de vez nossas vidas.
O que quero deixar constado é que não consigo me recordar de muitos momentos com os cinco que aqui residiam. 

Foi essa semana, inicio de dezembro, que parei para pensar que já chegamos ao fim do ano e notei que já fazem quase dois anos que ela não pisa em casa, que ele não sobe as escadas chacoalhando as chaves entre os dedos e tossindo, como sempre fazia - sim, sempre é sempre mesmo, sem exagerar. Quase dois anos que ele não coloca a mão na maçaneta da porta e entra em casa indo até o quarto que o pertencia, deixando as chaves na cabeceira, retirando os sapatos e deixando-os debaixo da cama ou os levando até a sapateira. A dois anos que ele não abre a mochila pegando os papeis de dentro dela coloca-os junto com a carteira em sua gaveta - penúltima gaveta em frente à cama. Fazem dois anos que ele não entra no banheiro deixando a porta encostada -"Oh pai, existe uma coisa chamada fechadura, ok!" - falávamos, depois passava na cozinha para pegar um copo d'água pela metade, bebe-la pela metade e jogar o restante na pia, voltando o copo no escorredor sem lavá-lo... rsrs ele tentava, mas nunca aprendeu a fazer diferente. A quase dois anos que ele não fica, numa tarde de um dia de semana, perante a porta de seu quarto e fechando-a diz "Vou cochilar um pouco. Se eu não levantar, me chama às dez pra's cinco. Boa noite." 

E é sempre ao lembrar disso assim tão detalhadamente que me deparo chorando. Chorando de saudades, chorando por não tê-lo perto como antes... Mesmo sabendo que hoje ele deve continuar com sua rotina e suas manias em um outro lugar, com outras pessoas, outras crianças por perto, outros acordando-o para ir trabalhar.
Enfim... hoje são outros, não somos nós. E nós já somos outros. Éramos cinco e hoje praticamente duas. Como o caçula diz em casa "Aqui não entra mais ninguém, agora é só evasão." 
Confesso ainda que é com uma tremenda dor e pressentimento bom que eu falo "É mãe, agora somos você e eu."

É tanta dor, saudade, mágoa, ressentimento, incapacidade, carência... é tanta lágrima em mim, tantas lágrimas e letras... Me sinto fraca, inerte, nunca sei o que fazer ou pra onde ir. Meu maior medo é levar isso para o meu futuro e não saber lidar com meus filhos, minha vida. Tenho medo de que minha vivência me prejudique emocionalmente/psicologicamente no futuro e sei que tudo isso me influência e influenciará. Eu só queria a certeza de que tudo vai dar certo, mas essa não terei jamais. A vida é arriscar. É ganhar e perder. É jogar.
E minha maior vontade tem sido de jogar tudo para o alto e sumir, pelo menos por dezembro inteiro. Sumir porque é natal!!!

"Muitos serão os anos que terão as folhas, cores e flores que apanhei. 
E todos serão os anos no qual apanhei do desprezo cinza que me abateu."